TRANSLATE

sábado, 23 de abril de 2016

MENSAGEM PASTORAL

O Santo Nome em vão
“Nele se alegra o nosso coração, pois confiamos no seu santo nome”  (Sl 33.21).

Um amigo do facebook, aliás, ministro do evangelho e professor de filosofia, teve uma sacada genial. Atento observador que é, detectou as palavras mais citadas no dia da votação pela admissibilidade do processo de afastamento da presidente Dilma no domingo passado. Ele identificou a seguinte ordem: Dilma – Deus – Cunha. A partir daí ele chegou à seguinte conclusão: outra vez crucificado entre dois malfeitores! Achei genial. De fato, não saberia contar quantas vezes o terceiro mandamento da Lei de Deus foi violado. E não o foi apenas por pessoas ímpias, descrentes e indecentes. Muitos ali transvestidos de ovelhas, em nome de denominações e currais eleitorais, com interesses que de santos não têm nada, invocavam o santo Nome para fundamentar o seu voto. Mas, pergunto-me, como Deus pode ser chamado a abençoar este teatro bufão em que se tornou o nosso Congresso? Não quero e não vou entrar no mérito deste processo. Confesso mesmo que talvez não reúna as qualidades técnicas necessárias para um julgamento. E, sinceramente, politicamente ando desconfiado de tudo e de todos, embora não tenha perdido a esperança de que as coisas podem e vão melhorar. Mas, não posso deixar de manifestar o meu desconforto tanto com aqueles que invocaram o Santo Nome em nome sabe-se lá de quê tanto quanto daqueles que postam nas redes sociais frases dizendo que não se pode levar a sério quem misture Deus e Política. Quer dizer, em nome do GLBT pode? Misturar opção sexual e transformar propaganda do GLBT em currículo escolar inclusive, pode? Pode misturar futebol (tem até bancada da bola) com política, tudo bem? Mas, Deus não pode? O que não pode é misturar a função e a missão da Igreja com o Estado. Isso não pode. A separação entre Estado e Igreja é salutar para ambos os lados. O Estado possui autoridade e missão distintas da Igreja, desejadas pelo mesmo Deus cultuado na Igreja. Mas, a Igreja tem outra esfera de autoridade e serviço recebidas do mesmo Deus que ordenouordenou a existência das autoridades para a coibição do mal público e a aplicação da justiça e o socorro dos desfavorecidos. Deus se interessa sim por Política. A Bíblia tem muito a ver com organização política, com sistemas econômicos, com políticas sociais, com a defesa das minorias. Deus mesmo estabeleceu lideranças políticas e as equipou com leis, dons espirituais e recursos para a aplicação da justiça, a garantia da vida e da liberdade, o direito à terra, a produção e etc. Na verdade, sempre que na história Deus foi banido do discurso e dos sistemas políticos a sociedade tornou-se mais desumana, menos capaz de nutrir interesse e compaixão pelos pobres, mais suscetível ao crime e ao desrespeito absoluto pela vida humana. Mas, sempre que o Nome e a autoridade de Deus foram tomados em vão e pronunciados de maneira ímpia, as mesmas desgraças ocorreram nas mesmas proporções. Então, o nosso problema não está se Deus deve ser invocado ou não, mas por quem e porquê.  Deus só pode ser invocado por quem crê em sua existência, conhece e teme as suas leis, ama o seu plano e caráter, submete-se à sua autoridade e deseja que o seu Reino e Justiça influenciem desde a sua vida pessoal até o conjunto todo da sociedade. Deve ser invocado porque se crê que Deus não há de comprometer-se e abençoar projetos iníquos, desejos escusos, corações fraudulentos, traições e conspirações que atentem contra a vida, a dignidade e a verdade da pessoa, dos fatos e da história, antes, vai desbaratá-los! Distorcer fatos, palavras e a realidade em si é na verdade coisa de outro personagem da religião. (Ah, ele também é pai do homicídio e da corrupção). Agora, quando Deus é invocado para legitimar impérios religiosos e ministeriais que usam da política apenas e tão somente para o seu benefício, manutenção de seu status quo e a expansão de seus domínios, evidentemente que isso se configura em grande abominação. Tão abominável quanto um militante de um partido ateu e irreligioso, com posturas e práticas que contrariam o próprio Deus, invoca o Santo Nome ou pede o seu auxílio para o sucesso de sua empreitada. Depois do que vi e ouvi nesse domingo, muito embora eu seja cristão fervoroso e convicto calvinista, cheguei a pensar que nem mesmo Deus teria a ver com qualquer coisa ali e nem mesmo queria ver-se associado àquela turma, pelo menos em sua grande maioria. Todavia, sei que Deus é soberano, é o Senhor da história, todas as coisas lhe pertencem e a tudo submeteu ao Senhorio de seu Cristo. Então, só me resta acreditar que a invocação de sua presença e de sua iluminação realizada em muitas igrejas espalhadas pelo país, sobre os Deputados e Deputadas reunidos naquela tarde-noite de domingo, tenha sido do agrado do Eterno e que Ele se digne dar ao nosso país aqueles dias em que “Se tão-somente você tivesse prestado atenção às minhas ordens, sua paz seria como um rio, sua retidão, como as ondas do mar” (Is 48.18) e ainda, “O amor e a fidelidade se encontrarão; a justiça e a paz se beijarão” (Sl 85.10), “O fruto da justiça será paz; o resultado da justiça será tranquilidade e confiança para sempre” (Is 32.17). Que Deus tenha misericórdia de nós!

Reverendo Luiz Fernando é Ministro da Igreja Presbiteriana Central de Itapira, 
professor de Teologia Pastoral e Bioética no Seminário Presbiteriano do Sul e de
 Filosofia na Faculdade Internacional de Teologia Reformada – Fitref.

Nenhum comentário:

Postar um comentário